Biografia | Bibliografia | Criticas e Recensões | Opinar | Notícias | Links
Avulsa -2

Rómulo, Nome de Código

Rómulo, Nome de Código

Rómulo, Nome de Código

Lis & Lena

Poema de Outono

Avulsa - 1

TRIPEÇA

O Legado de Mireia

IN PULVEREM

Renascer em Córdova (II)

Renascer em Córdova (I)

O ODRES

Rómulo, Nome de Código
Prefácio do Prof. Dr. Eduardo Fonseca

PREFÁCIO

            Subitamente, a jovem geração viu-se envolvida na Guerra longínqua, a que a geração dos seus pais escapara, ao pé da porta.

A sociedade portuguesa envolveu-se na Guerra Colonial, enterrou mal os seus mortos, sem pompa, sem circunstância, sem dignidade, com má consciência, pôs-lhes hipocritamente uma pedra por cima como que a quase dizer vocês não existiram!, não fez um esforço mínimo de integração civil dos seus ex-militares e ampara muito deficientemente os que deram o seu melhor e regressaram em circunstâncias físicas e mentais precárias. A Guerra Colonial ainda hoje mina e mata muitos dos antigos combatentes. Mas não nos esqueçamos de que a Guerra Colonial engoliu a Ditadura ou criou condições para que isso acontecesse.

            Paulatinamente, alguns dos velhos combatentes têm vindo a ficcionar essa Guerra. Já existe, hoje, uma considerável Literatura da Guerra Colonial. Este facto é relativamente novo já que, na ficção, as marcas das guerras em que os Portugueses estiveram envolvidos são, em regra, escassas. Diríamos que tem havido algum alheamento da ficção portuguesa de acontecimentos importantes para a sociedade portuguesa. Não há uma grande ficção portuguesa de referência sobre a Inquisição. Sobre a Pide já há referências, embora não haja, até ao momento, nenhuma ficção que a veja muito de perto, nomeadamente do e no seu interior.

            Uma das curiosidades da ficção sobre a Guerra Colonial é o facto de haver autoria feminina de uma série importante de obras (por exemplo, de Wanda Ramos, de Lídia Jorge).

            Outra é haver ficção sobre a Guerra Colonial dos dois lados do confronto. Não só há já uma apreciável Literatura Portuguesa da Guerra Colonial, como também há uma literatura dos vários novos países africanos de expressão oficial portuguesa mais directamente envolvidos na guerra.

            A Guerra sempre foi tema constante de todas as literaturas de todos os espaços, de todos os tempos. Os louvores de feitos guerreiros são os mais antigos ou dos mais antigos documentos que nos chegaram de todas as literaturas. Mas, nos últimos duzentos anos, as coisas mudaram bastante. Tendencialmente, deixa de ser a face eufórica, valente, apologética da brutalidade heróica da guerra, do desprezo pelos vencidos que é mostrada e passa, tendencialmente também, a ver-se a face disfórica, derrotista, nostálgica, cruel da guerra – a grande instituição da violência autorizada e tolerada. O enaltecer da valentia, do heroísmo vai cedendo lugar ao sofrimento, à desgraça, mostram-se os vencidos no heroísmo com que sobrevivem – e já não no heroísmo com que lutaram. O herói guerreiro tem cedido muito o lugar ao anti-herói.

            A Literatura de Guerra tem ganho ultimamente muito, um tom de desabafo testemunhal, de veículo de reflexão anti-guerreira. Procura-se recriar os horrores da guerra para, com mais ou menos virilidade, se defender, ansiar a paz, mostrar que a guerra não é a via, exibir a hipocrisia e a incongruência da opção pela guerra.

            Poderemos dizer, ainda, que a Literatura da Guerra Colonial, apesar de haver algumas obras de elevada e bela arquitectura literária, vale mais pelo seu conjunto, pela representação que faz da Guerra e da relação dos combatentes com a guerra, pela postura indutora de uma reflexão sobre a antropologia da guerra, pelo seu pacifismo exposto ou apontado, pela atitude de uma geração, a que fez a guerra.

            Rómulo, Nome de Código, dentro deste quadro que tracei, é uma obra típica, mas com originalidade própria.

            É típica no que respeita ao modo como encara a guerra – está na grande corrente dos últimos duzentos anos: não há apologia da guerra, nem do heroísmo guerreiro, apresentam-se os aspectos disfóricos da guerra.

            Mas esta tipicidade de enquadramento deixa bem claros aspectos originais. São os aspectos quase ridículos da administração da guerra, as tricas das bases e das cúpulas militares, a má e ridícula gestão da política da guerra. Estes aspectos dão verosimilhança, densidade e intensidade ficcional à obra. Neste sentido, Rómulo, Nome de Código é mais do que um romance de guerra.

            Outro traço, que é referido nalguma literatura da Guerra Colonial, mas não frequentemente, adquire, aqui, uma função muito importante: o papel da Pide na guerra.

            Rómulo, Nome de Código apresenta a Pide como uma peça importante no desenvolvimento da ficção, quase com um estatuto de personagem plural, colocando-a mais no seu lugar histórico e no papel que efectivamente desempenhou na Guerra Colonial do que geralmente é considerada na ficção desta guerra. O poder abafante e subtil da Pide, bem como a sua boçalidade de actuação, tanto da própria polícia como dos seus simpatizantes, está, em Rómulo, Nome de Código bem recriado, desempenhando um papel central na ficção.

            O carácter singular da Guerra Colonial aparece também exposto no modo como os momentos de lazer dos combatentes e de algumas paixonetas entre os combatentes e as civis. Neste aspecto, Rómulo, Nome de Código aproxima-se, um pouco, das grandes produções cinematográficas norte-americanas que têm como fundo várias guerras, nomeadamente a II Guerra Mundial. Sendo um livro que recria a guerra, apresenta-a entremeada de acontecimentos prosaicos, banais, numa tentativa de realismo quase cinematográfico americano, quase como uma reportagem.

            Rómulo, Nome de Código parece-me uma obra bem conseguida literariamente, um instrumento de muita reflexão, conseguindo captar situações, exibir pormenores que têm escapado ou sido pouco valorizados na História que se vai fazendo da Guerra Colonial. Por isso merece leitura.

Eduardo Fonseca



© 2024 Luís Vieira da Mota | Todos os direitos reservados | by: Hugo Gameiro